segunda-feira, 17 de junho de 2013

Rascunhos de uma conversa inesquecível (Parte I)


Está uma noite daquelas aborrecedoras, em que tenho muitas tarefas da escola mas não sei por onde começar. Me fiz a uma rede social, e a minha página me dá a indicação de alguém que gosta de uma foto minha.
Ela estava ainda “Online”.
Eu disse a ela “o céu e o mar vivem em seu olhar, e muitos arco-íris voam sobre si”.
Foi o começo de uma metade de conversa.
Perguntou-me ela -  “quem és tu?”
Respondi -  “Ninguém! Mas se me amares posso me tornar alguém.”
E de seguida ela me mandou um daqueles “smiles” irônicos, que dão a impressão de um “ha-ha-ha-ha”, mas no fundo eu senti que ela sorriu, pelo tempo que durou para mandar o smile.
“Você é poeta?” – perguntou ela.
Eu respondi no meu mais simplório jeito de ser  “todos somos poetas, quando o coração tem algo para dizer...” e me calei no fingimento mais amargo, de quem não tem muito a comentar.
De seguida ela me escreveu “aprazível é o seu jeito...alma aberta, chuveiro ao ar livre, em dia de sol rubro. Tão raro! Você é uma raridade erguida entre os homens! Eu respeito a sua honestidade e a profundidade de suas idéias.”

Esses são os dizeres que mais me amoleceram a alma na noite de hoje, dizeres perante os quais não se pode ficar sem dizer nada.
E agora?!
Despedi-me de emergência porque o compromisso de estudar para a prova me esperava, e deveras prometi voltar amanhã.
Tinha realmente que dizer algo ainda desmedido “Adeusinho, minha semente de cacana(1 amadurecida,  casca de canho(2 amarelo, incenso de batata alaranjada e limão doce.
Ela sorriu em um “smile” bem prolongado e escreveu “tu és romântico. A moda maluca, mas romântico!”
E eu fui “Offline”, ansioso para  voltar com brevidade a este pedaço de prosa.



(1 - termo moçambicano usado para designar a planta, Momordica balsamina,
(2  - fruto da planta Sclerocarya birrea (ou caffra), ocanho (do ronga nkanye, segundo [PM]) - moçambicanismo. É deste fruto, conhecido nos países vizinhos como marula, que se faz o conhecido licor Amarula.


Sonidos de cio

Sonidos de cio oiço e vejo lençois em brasa 
quando as tuas mãos passeiam ociosamente sobre o meu organismo,
e o meu organismo devaneia a te procurar vadio. 

Teu jeito impetuoso de fazer,
 faz meu coração vergar 
e dizer dizeres que me comprometem,
e gritar “não”, 
amiúde forjar meu desejo que prende no tecto da boca o meu “sim”.

Ohh Preta de lábios carmin, 

Eu quero só para mim a tua fragrância, 
néctar divino que exala do teu corpo moldado de rubim.
 

Leva-me!...
Mas não para muito longe do meu habitat natural. 
Faça de mim sua metrópole, 
Só não me deixe alvejar pelo seu olhar radiante 
que pode por ventura até matar a minha visão.

 

Para quê mais palavras se o silêncio já as contém em demasia?

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Cuida do seu amor (Cartas)


Voltar (Cartas)



Eterno (cartas)


Ama-me!


Meus olhos desfocados já não vêem
mas cegamente eu sinto,
inebriador o beijo alado
que iça os meus desejos
e deixa-me aos teus pés, brunido.

Meus olhos desfocados já não vêem
mas sentem que as suas pernas movem-se e abrem-se
rendendo-se ao encanto do meu olhar pedinte.
Ama-me!

Eu sinto que teu olhar me tateia
e teus lábios contornam os meus;
a saliva que goteja da tua boca
é a mentira revelada dum coração bandido.

Teu querer é o meu naufrágio,
ao qual me entrego exaurido
como uma criatura sem presságio.


AMA-ME!

Os anões comedores de farinha

Fazia um frio daqueles de queimar o escroto! Ancorado na cama, revivo o surgimento de um espírito anão que me quer vivo ou morto e, tento desfarçar, com ímpeto, que detenho o meu grito solto, preso na garganta tentando reviver algumas estorietas que me encontram por aí. Não consigo! 
Ouvira falar ontem, que há anões que andam por aí tentando sequestrar almas pela cidade. É tanta gente que comenta que já chego a acreditar e também me sinto vítima. Tento arranjar explicações fúteis para não acreditar nisto e a minha mente acusa que os boatos sobre os anões constituem uma nova prática que vem anunciar que a fome acabou, pois as pessoas andam a desperdiçar farinha de milho em rituais banais, feitos ao redor de suas casas. Que fartura! 

O meu silêncio incomoda-me bastante nessa hora e, rezo a todos Deuses para que nenhuma voz me venha chamar a janela, pois dizem que assim o fazem os anões. 

De repente me flagro num riso encorajador, oriundo de uma conversa que tive ontem com Macalane e Ngunga. Faláva-se da possibilidade de investigar, aplicar, publicar e exportar técnicas e instrumentos usados para o "Xitega" (palavra da língua chiyao usada para designar o feiticismo; conjunto de normas e procedimentos de curandeirismo ou feiticismo). O Xitega é um feitiço terrível cujos procedimentos para o efeito são desconhecidos; os maiores mestres se encontram no Distrito de Majune (Niassa). Quissá no desvanecer da minha coragem vá ate lá buscar protecção contra os anões. 

Tenho bons relatos dos nativos da região que dizem que os feiticeiros de Majune são os bons. Dizem que são capazes de fazer secar uma frondosa árvore num instante e também podem fazer parar a chuva com um truque que usa machado e pedra. Já imaginaram se usássemos esse conjunto de técnicas para a revolução verde? Seria muito útil, vejam: controlaríamos pragas; invés de matar plantas num instante faríamos crescer várias e assim teríamos muita comida - neste sentido bem hajam os feiticeiros de Majune. 

Com toda a sinceridade tenho a confessar que não conheço pessoa alguma que não tema a potencialidade dos mestres de Majune, se não duas pessoas; uma delas é o Mestre Wilson, cuja desenvoltura ostenta segredos da região, ocultados em uma bengala e pasta, negras, que nem por esquecimento o soltam. 

Queria eu que esta sorte fosse a mesma da estória de um chinês, que viveu em Marrupa, que se deu mal ao comer uma cobra guisada. Permitam-me desenvolver este rumor que me chega revestido de contemporaniedade: - era de apanágio o chinês deliciar-se ao sabor de cobras por si muito bem preparadas. Hábito este que segundo contam, trouxera ele da China. Inúmeras vezes o chinês foi avisado da peculiaridade das cobras de Marrupa, todavia desafiou os comentários místicos e se fez ao assalto de uma, eviscerou-a, cozeu-a e comeu. 

Contam aqueles que se categorizam presentes oculares que não passaram muitos minutos da refeição para que ele tivesse ataques anafiláticos tenebrosos. Acrescentam, talvez com exagero, que a sua pele começou a mudar apresentando variações de verde, vermelho e amarelo, tal como as escamas da cobra que comera até que depois de poucos minutos "bateu as botas". 

Oh! Foi entregue a sua própria sorte! São coisas de Niassa mesmo. 

São muitas coisas interessantes que tenho ouvido cuja menção não caberia neste sussurro. Fala-se que tempos tenebrosos já marcaram este "pedaço do inferno": foram tempos em que as pessoas tinham medo de ser ricas, por medo de “Xitega”, tempos de trovões encomendados, de frio e neve - em que o sol aparecia ao entardecer - numa vermelhidão pouco demorada tal como o sol de Satanás; nas ruas, cães e bêbados de “Kabanga” (palavra da língua Chiyao que designa uma bebida tradicional) eram encontrados cobertos de cacimba e dor desvanecida pela madrugada; no campo as pessoas quebravam cadeiras de palha e/ou madeira para fazer fogo e aquecer as suas almas aflitas de frio sem presságio de fim, pois toda lenha se encontrava humedecida. 

Sim, são factos reais banalizados na boca de quem os conta. 

Enquanto penso nisso tudo, vou adormecendo, num sono intercalado de medos, rezando à sorte de que não me venha a janela um anãozinho pois a “roto e rasgado” vai a minha cozinha, que nem um grão de farinha tem para se deitar.