quinta-feira, 13 de junho de 2013

Os anões comedores de farinha

Fazia um frio daqueles de queimar o escroto! Ancorado na cama, revivo o surgimento de um espírito anão que me quer vivo ou morto e, tento desfarçar, com ímpeto, que detenho o meu grito solto, preso na garganta tentando reviver algumas estorietas que me encontram por aí. Não consigo! 
Ouvira falar ontem, que há anões que andam por aí tentando sequestrar almas pela cidade. É tanta gente que comenta que já chego a acreditar e também me sinto vítima. Tento arranjar explicações fúteis para não acreditar nisto e a minha mente acusa que os boatos sobre os anões constituem uma nova prática que vem anunciar que a fome acabou, pois as pessoas andam a desperdiçar farinha de milho em rituais banais, feitos ao redor de suas casas. Que fartura! 

O meu silêncio incomoda-me bastante nessa hora e, rezo a todos Deuses para que nenhuma voz me venha chamar a janela, pois dizem que assim o fazem os anões. 

De repente me flagro num riso encorajador, oriundo de uma conversa que tive ontem com Macalane e Ngunga. Faláva-se da possibilidade de investigar, aplicar, publicar e exportar técnicas e instrumentos usados para o "Xitega" (palavra da língua chiyao usada para designar o feiticismo; conjunto de normas e procedimentos de curandeirismo ou feiticismo). O Xitega é um feitiço terrível cujos procedimentos para o efeito são desconhecidos; os maiores mestres se encontram no Distrito de Majune (Niassa). Quissá no desvanecer da minha coragem vá ate lá buscar protecção contra os anões. 

Tenho bons relatos dos nativos da região que dizem que os feiticeiros de Majune são os bons. Dizem que são capazes de fazer secar uma frondosa árvore num instante e também podem fazer parar a chuva com um truque que usa machado e pedra. Já imaginaram se usássemos esse conjunto de técnicas para a revolução verde? Seria muito útil, vejam: controlaríamos pragas; invés de matar plantas num instante faríamos crescer várias e assim teríamos muita comida - neste sentido bem hajam os feiticeiros de Majune. 

Com toda a sinceridade tenho a confessar que não conheço pessoa alguma que não tema a potencialidade dos mestres de Majune, se não duas pessoas; uma delas é o Mestre Wilson, cuja desenvoltura ostenta segredos da região, ocultados em uma bengala e pasta, negras, que nem por esquecimento o soltam. 

Queria eu que esta sorte fosse a mesma da estória de um chinês, que viveu em Marrupa, que se deu mal ao comer uma cobra guisada. Permitam-me desenvolver este rumor que me chega revestido de contemporaniedade: - era de apanágio o chinês deliciar-se ao sabor de cobras por si muito bem preparadas. Hábito este que segundo contam, trouxera ele da China. Inúmeras vezes o chinês foi avisado da peculiaridade das cobras de Marrupa, todavia desafiou os comentários místicos e se fez ao assalto de uma, eviscerou-a, cozeu-a e comeu. 

Contam aqueles que se categorizam presentes oculares que não passaram muitos minutos da refeição para que ele tivesse ataques anafiláticos tenebrosos. Acrescentam, talvez com exagero, que a sua pele começou a mudar apresentando variações de verde, vermelho e amarelo, tal como as escamas da cobra que comera até que depois de poucos minutos "bateu as botas". 

Oh! Foi entregue a sua própria sorte! São coisas de Niassa mesmo. 

São muitas coisas interessantes que tenho ouvido cuja menção não caberia neste sussurro. Fala-se que tempos tenebrosos já marcaram este "pedaço do inferno": foram tempos em que as pessoas tinham medo de ser ricas, por medo de “Xitega”, tempos de trovões encomendados, de frio e neve - em que o sol aparecia ao entardecer - numa vermelhidão pouco demorada tal como o sol de Satanás; nas ruas, cães e bêbados de “Kabanga” (palavra da língua Chiyao que designa uma bebida tradicional) eram encontrados cobertos de cacimba e dor desvanecida pela madrugada; no campo as pessoas quebravam cadeiras de palha e/ou madeira para fazer fogo e aquecer as suas almas aflitas de frio sem presságio de fim, pois toda lenha se encontrava humedecida. 

Sim, são factos reais banalizados na boca de quem os conta. 

Enquanto penso nisso tudo, vou adormecendo, num sono intercalado de medos, rezando à sorte de que não me venha a janela um anãozinho pois a “roto e rasgado” vai a minha cozinha, que nem um grão de farinha tem para se deitar.

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